Alguns poemas do livro Pau-brasil (1925), de Oswald de Andrade (1890 – 1954)

Pau Brasil

História do Brasil – Pero Vaz de Caminha

A descoberta
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra

Os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam pôr a mão
E depois a tomaram como espantados

As meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha

Primeiro chá
Depois de, dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real

Gândavo

Natureza morta
A esta fruita chamam Ananazes
Depois que sam maduras têm un cheiro muy suave
E come-se aparados feitos em talhada
E assi fazem os moradores por elle mais
E os têm em mayor estima
Que outro nenhum pomo que aja na terra

Riquezas naturais
Muitos metaes melões pepinos romans e figos
De muitas castas
Cidras limões e laranjas
Uma infinidade
Muitas cannas daçucre
Infinito algodam
Também há muito páo brasil
Nestas capitanias

Frei Vicente do Salvador

Prosperidade de São Paulo
Ao redor desta vila
Estão quatro aldeias de gentio amigo
Que os padres da Companhia doutrinam
Fóra outro muito
Que cada dia desce do sertão

Pau Brasil (1925)

Falação

O Cabralismo. A civilização dos donatários. A Querência e a Exportação.
O Carnaval. O Sertão e a Favela. Pau-Brasil. Bárbaro e nosso.

A formação étnica rica. A riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.

Tôda a história da Penetração e a história comercial da América. Pau-Brasil.

Contra a fatalidade do primeiro branco aportado e dominando diplomàticamente as selvas selvagens. Citando Virgílio para os tupiniquins. O bacharel.

País de dores anônimas. De doutôres anônimos. Sociedade de náufragos eruditos.

Donde a nunca exportação de poesia. A poesia emaranhada na cultura. Nos cipós das metrificações.

Século vinte. Um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaram como babéis de borracha. Rebentaram de enciclopedismo.

A poesia para os poetas. Alegria da ignorância que descobre.
Pedr’Alvares.

Uma sugestão de Blaise Cendrars: — Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino.

Contra o gabinetismo, a palmilhação dos climas.

A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros.

Passara-se do naturalismo à pirogravura doméstica e à
kodak excursionista.

Tôdas as meninas prendadas. Virtuoses de piano de manivela.

As procissões saíram do bôjo das fábricas.

Foi preciso desmanchar. A deformação através do impressionismo e do símbolo. O lirismo em folha. A apresentação dos materiais.

A coincidência da primeira construção brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil.

Contra a argúcia naturalista, a síntese. Contra a cópia, a invenção e a surprêsa.

Uma perspectiva de outra ordem que a visual. O correspondente ao milagre físico em arte. Estrêlas fechadas nos negativos fotográficos.

E a sábia preguiça solar. A reza. A energia silenciosa. A hospitalidade.

Bárbaros, pitorescos a crédulos. Pau-Brasil. A floresta e a escola. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.

Poema-programa do “Manifesto da Poesia Pau-Brasil”, publicado no Correio da Manhã, RJ, em 18 de março de 1924.

APROXIMAÇÃO DA CAPITAL

Trazem-nos poemas no trem
Azuis e vermelhos
Como a terra e o horizonte
É um hotel rigorosamente familiar
Que oferece vantagens reais
Aos dignos forasteiros
Havendo o máximo escrúpulo na direção da cozinha

Casas defendem o vosso próprio interesse
Proporcionando-vos uma economia
De 2$000, de 3$000

Impermeáveis
Borzeguins
Pijamas.

Soidão
Chove chuva choverando
Que a cidade de meu bem
Está-se tôda se lavando

Senhor
Que eu não fique nunca
Como êsse velho inglês
Aí do lado
Que dorme numa cadeira
À espera de visitas que não vêm

Chove chuva choverando
Que o jardim de meu bem
Está-se todo se enfeitando
A chuva cai
Cai de bruços

A magnólia abre o pára-chuva
Pára-sol da cidade
De Mário de Andrade
A chuva cai
Escorre das goteiras do domingo

Chove chuva choverando
Que a casa de meu bem
Está-sa tôda se molhando

Anoitece sôbre os Jardins
Jardim da Luz
Jardim da Praça da República
Jardins das platibandas

Noite
Noite de hotel
Chove chuva choveirando

Roteiro das Minas

SANTA QUITÉRIA

Palmas imensas
Sobem dos caules ocultos
Cercas e cavalos
a raça que se apruma

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