Estrada da morte — Pamela Faria

estrada

A tarde era sombria, a estrada vazia e um longo caminho pela frente, o caminho pelo qual todos temiam em seguir.
Havia um senhor que morava na última curva da estrada e era obrigado a atravessá-la todo o final de expediente. E às vezes sua preferência era dormir na vigilância do cemitério a passar pela estrada. Nunca o aconteceu nada, mas sempre ouviu barulhos desagradáveis, pessoas falavam baixo, uma língua desconhecida e logo em seguida gritavam, gemiam, como se estivessem sendo torturadas impiedosamente.
Mais conhecido por senhor Albert, era o coveiro do cemitério local. Nunca avistou nada ao longo de seu percurso para casa, mas morria de medo do que poderia lhe acontecer.
Em uma tarde de outubro estava o senhor Albert em mais um dia de trabalho; o dia que teve de enterrar o padre da cidade. Seus parentes choravam muito e lastimavam sua perda precoce.
Uma mulher estava em prantos ao lado do túmulo recém fechado. Parecia ser a mãe, tinha a aparência de seus cinquenta anos.
O coveiro curioso para saber a idade do falecido, aproximou-se da lápide para avaliar os anos. Trinta anos, realmente era novo para morrer. Persistindo em sua curiosidade caminhou até um dos parentes e perguntou a causa da morte.
— Foi ontem. Disse uma mulher derrubando lágrimas. A noite houve um exorcismo…na estrada, ele foi chamado com urgência, pois o homem estava tentando arrancar a própria língua com as mãos. Chegando lá, Padre Vicente começa suas orações e quando toca na testa do possuído fica paralisado e sem ação cai no chão; Seus olhos começam a avermelhar-se e sua boca a rachar. Com os olhos arregalados seu último suspiro resplandece. Mesmo que os frades tentavam reanimá-lo… Nada se mexia. E o pobre homem possuído também morreu…Morreu com sua própria agonia. O coitado era sozinho da vida, olha o túmulo dele ali. Disse ela apontando para um local próximo de má aparência.
Albert caminhou até lá e focou sua visão nas escrituras da lápide que assim diziam:
“Aqui jaz o corpo de um homem que surpreendeu muitas pessoas com suas atitudes, mas sua bondade fez a sua morte e assim de todos se afastará para sempre. Ao senhor Thiago Rústico”.
Sem entender muita coisa, senhor Albert saiu de perto do túmulo e foi para sua casinha de vigilância que ficava a uns vinte metros de distancia dos recentemente falecidos. Só ficou a pensar se aquela ocasião poderia vir a acontecer com ele. E assim travou um medo ainda maior de passar ao longo da estrada, então resolveu se mudar.
No dia seguinte saiu um pouco mais cedo de casa e foi à residência do patrão. Chega, verifica a hora e decidido, bate na porta.
— Pois não. Disse um senhor de meia idade por cima dos óculos redondos e um traje de dormir.
— Senhor Joaquim, eu gostaria de pedir uma semana de folga para que eu possa me mudar.
— E por que tomou essa decisão tão de repente?
— Para poder ter acesso a minha casa é preciso passar pela estrada e nessa estrada morreu um padre e um outro homem.
— Entre, por favor. Disse o senhor arreganhando a porta e convidando o empregado a entrar. Albert entrou, sentou-se, retirou a jaqueta e colocou ao lado. Enquanto isso seu patrão pegava duas xícaras de chocolate. Sentou-se e ofereceu uma xícara ao empregado, ele pegou e agradeceu.
— Você sabe o porquê deles terem morrido na estrada?
— Sim, o padre foi até a estrada para fazer o exorcismo do homem e ambos morreram. Disse Albert com expressão de medo no rosto.
— Hoje é sexta, semana que vem você pode tirar de folga… Mas já achou a casa?
— Não senhor, tenho em vista uma casa, só que ainda não está garantida.
— Isso já é com você. Disse senhor Joaquim com indiferença. Pode ir, já está no seu horário e na segunda não precisa ir, apareça só na segunda que vem.
— Muito obrigado, desculpe pelo incomodo.
Pegou a jaqueta, se encaminhou à porta e abriu entrando no incomodo frio de inverno. Foi para o cemitério e ao longo do dia foram enterrados quatro mortos. Com a medonha curiosidade, perguntou a cada família onde haviam morrido e o motivo. Ambos eram na estrada ou perto, por mortes que ninguém conseguia identificar.
Já eram seis horas, hora de fechar e ir embora. Quando estava saindo resolveu pegar a faca do vigia para passar pela estrada.
Saiu em disparada com a faca no bolso.
O caminho do serviço para casa era, normalmente, de trinta minutos.
A estrada, como sempre, estava deserta. E o senhor Albert mesmo ouvindo os ruídos continuou em frente sem olhar para os lados.
Quando já estava no meio do caminho ouviu um longo e agudo grito. Ele não sabia se corria para longe ou se socorria quem estava em perigo.
Se fosse embora ia se sentir culpado pelo resto da vida. Então resolveu procurar da onde vinha o grito.
Suas pernas tremiam e ele suava frio. A cada passo, mais agonizante o grito ficava.
No chão encontrou rastros de sangue, adentrava no canavial.
Tomando toda sua coragem, senhor Albert aproximou-se da cana e começou a andar em direção ao centro, que de longe dava para ver um espaço vazio, uma clareira.
Tentou correr, mas com uma cambaleada caiu no chão. Rapidamente levantou-se e tirou a sujeira da roupa. Novamente quando ia continuar seu caminho ouviu o grito, só que desta vez dentro de seus tímpanos.
Se havia alguém em perigo, estava ali.
Ainda estava claro e alguma coisa podia ver, mas não avistava ninguém.
Percebeu que aquilo não era alguém em perigo e sim a própria morte… Uma armadilha.
Quando finalmente caiu a ficha, suas pernas não o obedeciam mais, seu corpo congelou e apavorado se jogou no chão. O grito ecoou novamente. Fechou os olhos, começou a sentir enjoo e começou a vomitar.
O medo já havia lhe dominado. Não conseguia fazer mais nenhum movimento, mínimo que seja. E com um esforçado suspiro sentiu como se alguém tivesse lhe enfiado a mão na memória. Em sua cabeça vinham seus piores pesadelos. Do dia em que seus pais morreram às mortes mais recentes, era como se presenciasse, mentalmente, uma por uma.
Sua vida toda havia sido um desastre e agora, mais do que nunca, se deu conta disso.
Sua agonia começou a sufocá-lo. Em poucos minutos estava estirado e morto no chão do canavial da estrada… A estrada da morte.
E assim foi nomeada a estrada. Daquele dia em diante ninguém mais se aproximou dali.
E a sua morte foi a última… A do coveiro que morrera ali.

 

Pamela Faria, 21/01/09